Padre Álvaro Campos Vieira*
Logo de manhã cedo, pouco depois do nascer do sol, o sangue já começa a escorrer da televisão, na reprise dos programas de violência. No estado do Ceará os canais de televisão gastam cerca de 13 a 14 horas por dia em tais programas. Nesses programas, os pobres, principalmente os jovens, moradores da periferia de Fortaleza, são apresentados como os sujeitos da violência. Os canais, sutilmente ou escancaradamente, incutem na cabeça dos telespectadores a idéia de que o terrorismo local vem da periferia. Algum canal televisivo entrevistou e mostrou ‘a cara’ do juiz que matou a queima-roupa o vigia de um supermercado de Sobral?... Com cidadãos dessa classe a mídia não zomba. Com jovens, pobres, abordados sempre como ‘vagabundos’, vale tudo. Diante das câmeras são humilhados; longe das câmeras, pisoteados e torturados. Essa violência nunca é transmitida e muito menos comentada pelas televisões. O esforço dispensado pelos órgãos governamentais, que implantam sem eficácia singelas políticas públicas, e por alguns movimentos sociais se dilui com o trabalho dessa imprensa que no lugar de ajudar a superar, sustenta e alimenta a cultura da violência.
Além disso, tal mídia não apresenta a questão da violência com transparência e verdade. Há violência na periferia? Claro! Mas não só na periferia. Interesses, atitudes e planos violentos de organizações criminosas se proliferam em toda sociedade. A droga, por exemplo, que é um dos fatores preponderantes da violência nos bairros pobres, não é produzida nas favelas. Antes de chegar à favela ela passa por várias portas (fazendas, rodovias, portos, fronteiras, alfândegas...), abertas sob ação dessas redes criminosas. Como não há educação de qualidade, garantia de emprego e perspectiva de uma vida melhor, facilmente os jovens pobres se tornam subservientes a essas redes, porque o trabalho é rentável. Eles não fazem parte do centro dessas redes, mas são o ‘bode expiatório’ dessa violência institucionalizada. Para preservar a imagem daqueles que atuam no centro dessas organizações e assegurar a existência dessas redes, que são fontes abundantes de renda, convém que nem tudo seja televisionado. É, a violência começa longe, bem longe da periferia. O combate à violência na periferia sempre será em vão se nunca atingir o ‘centro’.
* Padre da Comunidade do Serviluz e Membro da Articulação das Pastorais Sociais, CEBs e Organismos da Arquidiocese de Fortaleza.
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