sábado, 23 de março de 2019

CATEQUESE QUARESMAL III - A ESMOLA



Por toda a Quaresma a Igreja nos recorda de vivenciarmos com mais intensidade as práticas e exercícios espirituais, que por séculos ela mesma vive. Geralmente, lembramos de intensificar nossa oração, de não esquecer nosso jejum e abstinência, inclusive impondo-nos alguma penitência particular. Contudo, penso que é importante a essa altura da Quaresma – vamos chegando à terceira semana – lembrar que uma das práticas espirituais quaresmais é aquela da esmola. O Evangelho da Quarta-feira de Cinzas, fala de oração e jejum, porém antes fala da esmola: “Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens (...), quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que a tua esmola fique oculta (Mt 6,2-4). Lembremos sempre que a vida cristã não é e nem pode ser alheia à realidade, à vida concreta das pessoas. Já o Papa São Leão Magno em um de seus Sermões afirmava: “a estes santos e razoáveis jejuns, nada virá juntar com maior proveito do que as esmolas. Sob o nome de obras de misericórdia, incluem-se muitas e louváveis ações de bondade; graças a elas, todos os fiéis podem manifestar igualmente os seus sentimentos, por mais diversos que sejam os recursos de cada um” (Sermão 6 de Quadragesima). Assim, tiramos uma primeira conclusão sobre a esmola: ela está intimamente ligada ao jejum; o fruto do nosso jejum deve chegar aos mais necessitados. Isso mesmo! Aquilo que deixo de comer, aquilo do que me abstenho pela Quaresma, deve ser revertido em favor dos irmãos mais carentes. Nosso jejum deve-se tornar um jejum ativo, um modo ativo de fazer caridade. Caridade ativa! Esse foi o pensamento de tantos santos, como São Vicente de Paulo ao exortar que “se é nossa intenção termos o coração sensível às necessidades e misérias do próximo, supliquemos a Deus que derrame em nós o sentimento de misericórdia e de compaixão, cumulando com ele nossos corações e guardando-os repletos” (Cartas, 1920-25). Exemplos de santos que viveram essa mesma caridade ativa não faltam: São Camilo de Lélis, São Francisco de Assis, Santa Teresa de Calcutá, enfim. Tenhamos em consideração que não estamos falando de uma esmola dada sem coração, sem a força do Espírito de Deus. Porque uma esmola dada sem amor não passará de mera filantropia humana. Como exortava Papa Francisco na homilia do último dia 18 de março: “A importância da esmola, mas não só a esmola material, mas também a esmola espiritual; dedicar tempo a quem precisa, visitar um doente, sorrir”. Com esse pensamento o Santo Padre faz com que alarguemos o horizonte do significado de esmola. Entendemos que a esmola não é apenas dar algum bem material – que não deixa de ser importante, pois a fome não espera por palavras, requer atitudes, até imediatas – mas, a esmola é toda e qualquer doação que fazemos ao outros: um bem material, palavras, tempo, escuta...“não nos preocupemos em acumular e conservar riquezas, enquanto outros padecem necessidade” (S. Gregório de Nazianzo). Pensemos um pouco: acumulamos bens, enquanto outros passam necessidades? Quanta comida estragamos seja deixando que se percam nos armários e geladeiras seja porque jogamos fora – quando “nosso olho é maior que a barriga”? Ao abrirmos nossos guarda-roupas, sapateiras e outros móveis onde guardamos bens, será não nos damos conta de que temos mais do que necessitamos? Em outra dimensão: será que não acumulamos tempo demais diante de uma TV, mesmo sabendo que há alguém enfermo ou sozinho que precisaria de um pouco de atenção? Quanto tempo gastamos falando palavras inúteis e desconstrutivas, enquanto poderíamos estar ouvindo e ajudando pessoas que sofrem com a solidão, nos abrigos e lares de idosos, nos hospitais, nas prisões, etc.? A esmola, a caridade feita em Deus, gerará frutos de vida eterna sem dúvida alguma. Assemelha-se com aquela palavra do profeta Isaías: “como a chuva e a neve descem dos céus e não retornam para eles sem regarem a terra e fazerem-na brotar e florescer, a fim de que ela produza sementes para o semeador e pão para os que dele se alimentam, assim também acontece com a Palavra que sai da minha boca: ela não voltará para mim vazia, mas realizará toda a obra que desejo e atingirá o propósito para o qual a enviei” (Is 55,10-11). Quando fazemos esmola com o coração em Deus, Ele mesmo age por nosso intermédio. A Igreja, na sua sabedoria chama essas esmolas de Obras de Misericórdia, corporais e espirituais. São obras do Amor, daquele amor que não passará jamais, como tão bem cantou o Apóstolo Paulo: “Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria! A caridade jamais acabará” (I Cor 13,3.8a). Bento XVI, na Encíclica “Deus caritas est”, n.28 dizia: “o amor – caritas – será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa (...). Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem”. Por isso, nesse tempo especial de Quaresma, mais um apelo de Deus: façamos o propósito do DESAPEGO, olhando tudo aquilo que posso desfazer-me em favor de outros; façamos o propósito de IR AO ENCONTRO do outro, fazendo uma visita a alguém que sei que está em situação difícil. Que esse tempo de Quaresma nos converta ao amor do Senhor e ao amor do próximo!

Roma, 23 de março de 2019
 Pe. Rafhael Silva Maciel Missionário da Misericórdia

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