Por toda a Quaresma a Igreja nos recorda de
vivenciarmos com mais intensidade as práticas e exercícios espirituais, que por
séculos ela mesma vive. Geralmente, lembramos de intensificar nossa oração, de
não esquecer nosso jejum e abstinência, inclusive impondo-nos alguma penitência
particular. Contudo, penso que é importante a essa altura da Quaresma – vamos
chegando à terceira semana – lembrar que uma das práticas espirituais
quaresmais é aquela da esmola. O Evangelho da Quarta-feira de Cinzas, fala de
oração e jejum, porém antes fala da esmola: “Por isso, quando deres esmola, não
toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas
ruas, para serem elogiados pelos homens (...), quando deres esmola, que a tua
mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que a tua esmola
fique oculta (Mt 6,2-4). Lembremos sempre que a vida cristã não é e nem pode
ser alheia à realidade, à vida concreta das pessoas. Já o Papa São Leão Magno
em um de seus Sermões afirmava: “a estes santos e razoáveis jejuns, nada virá
juntar com maior proveito do que as esmolas. Sob o nome de obras de
misericórdia, incluem-se muitas e louváveis ações de bondade; graças a elas,
todos os fiéis podem manifestar igualmente os seus sentimentos, por mais
diversos que sejam os recursos de cada um” (Sermão 6 de Quadragesima). Assim,
tiramos uma primeira conclusão sobre a esmola: ela está intimamente ligada ao
jejum; o fruto do nosso jejum deve chegar aos mais necessitados. Isso mesmo!
Aquilo que deixo de comer, aquilo do que me abstenho pela Quaresma, deve ser
revertido em favor dos irmãos mais carentes. Nosso jejum deve-se tornar um
jejum ativo, um modo ativo de fazer caridade. Caridade ativa! Esse foi o
pensamento de tantos santos, como São Vicente de Paulo ao exortar que “se é
nossa intenção termos o coração sensível às necessidades e misérias do próximo,
supliquemos a Deus que derrame em nós o sentimento de misericórdia e de
compaixão, cumulando com ele nossos corações e guardando-os repletos” (Cartas,
1920-25). Exemplos de santos que viveram essa mesma caridade ativa não faltam:
São Camilo de Lélis, São Francisco de Assis, Santa Teresa de Calcutá, enfim.
Tenhamos em consideração que não estamos falando de uma esmola dada sem coração,
sem a força do Espírito de Deus. Porque uma esmola dada sem amor não passará de
mera filantropia humana. Como exortava Papa Francisco na homilia do último dia
18 de março: “A importância da esmola, mas não só a esmola material, mas também
a esmola espiritual; dedicar tempo a quem precisa, visitar um doente, sorrir”.
Com esse pensamento o Santo Padre faz com que alarguemos o horizonte do
significado de esmola. Entendemos que a esmola não é apenas dar algum bem
material – que não deixa de ser importante, pois a fome não espera por
palavras, requer atitudes, até imediatas – mas, a esmola é toda e qualquer
doação que fazemos ao outros: um bem material, palavras, tempo, escuta...“não
nos preocupemos em acumular e conservar riquezas, enquanto outros padecem necessidade”
(S. Gregório de Nazianzo). Pensemos um pouco: acumulamos bens, enquanto outros
passam necessidades? Quanta comida estragamos seja deixando que se percam nos
armários e geladeiras seja porque jogamos fora – quando “nosso olho é maior que
a barriga”? Ao abrirmos nossos guarda-roupas, sapateiras e outros móveis onde
guardamos bens, será não nos damos conta de que temos mais do que necessitamos?
Em outra dimensão: será que não acumulamos tempo demais diante de uma TV, mesmo
sabendo que há alguém enfermo ou sozinho que precisaria de um pouco de atenção?
Quanto tempo gastamos falando palavras inúteis e desconstrutivas, enquanto
poderíamos estar ouvindo e ajudando pessoas que sofrem com a solidão, nos
abrigos e lares de idosos, nos hospitais, nas prisões, etc.? A esmola, a
caridade feita em Deus, gerará frutos de vida eterna sem dúvida alguma.
Assemelha-se com aquela palavra do profeta Isaías: “como a chuva e a neve
descem dos céus e não retornam para eles sem regarem a terra e fazerem-na
brotar e florescer, a fim de que ela produza sementes para o semeador e pão
para os que dele se alimentam, assim também acontece com a Palavra que sai da
minha boca: ela não voltará para mim vazia, mas realizará toda a obra que
desejo e atingirá o propósito para o qual a enviei” (Is 55,10-11). Quando
fazemos esmola com o coração em Deus, Ele mesmo age por nosso intermédio. A
Igreja, na sua sabedoria chama essas esmolas de Obras de Misericórdia,
corporais e espirituais. São obras do Amor, daquele amor que não passará jamais,
como tão bem cantou o Apóstolo Paulo: “Ainda que distribuísse todos os meus
bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser
queimado, se não tiver caridade, de nada valeria! A caridade jamais acabará” (I
Cor 13,3.8a). Bento XVI, na Encíclica “Deus caritas est”, n.28 dizia: “o amor –
caritas – será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa (...). Quem
quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem”.
Por isso, nesse tempo especial de Quaresma, mais um apelo de Deus: façamos o
propósito do DESAPEGO, olhando tudo aquilo que posso desfazer-me em favor de
outros; façamos o propósito de IR AO ENCONTRO do outro, fazendo uma visita a
alguém que sei que está em situação difícil. Que esse tempo de Quaresma nos
converta ao amor do Senhor e ao amor do próximo!
Roma, 23 de março de 2019
Pe. Rafhael Silva Maciel Missionário da
Misericórdia
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