sábado, 4 de março de 2017

PALAVRA DO PASTOR


Uma Quaresma no Ano Nacional Mariano


A vivência de um Ano Nacional Mariano é para nós brasileiros um acontecimento especial nas comemorações dos 300 anos do encontro da imagem de Nossa Senhora da Conceição, conhecida como Aparecida, e que é a reconhecida pelos seus filhos na Fé, Rainha e Padroeira do Brasil.
A celebração do Ano Mariano quer ser, não um tema à margem da vivência litúrgica da Fé para dar lugar a uma devoção popular, mas a compreensão mais profunda do que expressou o Santo Padre Francisco ao falar deste fato mariano no Brasil: “Há algo de perene para aprender sobre Deus e sobre a Igreja, em Aparecida; um ensinamento, que nem a Igreja no Brasil nem o próprio Brasil devem esquecer.” Queria com isto chamar a atenção para a “lição” de Aparecida:
– Em Aparecida, Deus ofereceu ao Brasil a sua própria Mãe. Mas, em Aparecida, Deus deu também uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e agir. Uma lição sobre a humildade que pertence a Deus como traço essencial e que está no DNA de Deus.
– Há aqui um ensinamento que Deus quer nos oferecer. Sua beleza refletida na Mãe, concebida sem pecado original, emerge da obscuridade do rio. Em Aparecida, logo desde o início, Deus dá uma mensagem de recomposição do que está fraturado, de compactação do que está dividido. Muros, abismos, distâncias ainda hoje existentes estão destinados a desaparecer. A Igreja não pode descurar esta lição: ser instrumento de reconciliação.
– A Igreja tem sempre a necessidade urgente de não desaprender a lição de Aparecida; não a pode esquecer. As redes da Igreja são frágeis, talvez remendadas; a barca da Igreja não tem a força dos grandes transatlânticos que cruzam os oceanos. E, contudo, Deus quer se manifestar justamente através dos nossos meios, meios pobres, porque é sempre Ele que está agindo.
– Outra lição que a Igreja deve sempre lembrar é que não pode afastar-se da simplicidade; caso contrário, desaprende a linguagem do Mistério. E não só ela fica fora da porta do Mistério, mas, obviamente, não consegue entrar naqueles que pretendem da Igreja aquilo que não podem dar-se por si mesmos: Deus.
Voltamos à Quaresma, tempo de graça para viver o dom de Deus. Deus se manifestou à humanidade em Seu Filho feito Homem, em Jesus. E Jesus veio reconciliar a humanidade com Deus, consigo mesma, com a natureza – a criação, através do meio mais pobre, mais fraco: o dom de sua vida, a morte na cruz. Assim manifestou o mais profundo de seu Mistério – o Amor. E fez da linguagem da pobreza, da fragilidade, da doação, da mansidão, da solidariedade, o modo de dizer seu próprio ser: o que é o Amor.  E a Ressurreição de Cristo é a resposta divina à transformação do homem mortal para a imortalidade: realizando a reconciliação, a comunhão humana, recompondo o que estava fraturado, compactando o que estava dividido, derrubando muros, distâncias… fazendo-se a si mesmo como ponte definitiva.
Em Maria mostrou Ele a participação humana mais disponível e completa na obra divina. E dando-lhe a maternidade divina de todo o gênero humano a faz participar no decorrer dos tempos da realização desta obra para todas as gerações da humanidade redimida. Mostra nela a humanidade em sua resposta ao dom divino da salvação, fazendo-a lição do acolhimento do dom de Deus em si e da oferta do dom recebido à humanidade que necessita e anseia pela salvação.
Na vivência litúrgica da Igreja está seu caminhar com Cristo nas vias da salvação. A Quaresma é caminho espiritual para a Páscoa. A Igreja refaz neste tempo sua iniciação no seguimento de Cristo: na escuta do Evangelho, na conversão dos pecados, na busca de Deus na oração, no exercício do amor fraterno e universal – solidariedade humana. Maria é modelo de seguimento – com ela se aprende a seguir a Cristo: palavra de Deus acolhida, vivida, partilhada nas lições do Evangelho e da História humana rumo à Páscoa definitiva. “Lição” que jamais poderá ser esquecida: como se ama verdadeiramente.
+ José Antonio Aparecido Tosi MarquesArcebispo Metropolitano de Fortaleza

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